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Reformas revelam beleza escondida do IAPI de Belo Horizonte | Maio 2003

Jeanette Santos

Publicado no jornal Hoje em Dia, Belo Horizonte. http://www.hojeemdia.com.br/sec/hoje.cgi?funcao=L&codigo=m001&data=1020, enviada gentilmente por Cristina Meneguello.

Primeiro conjunto popular da capital, o Residencial São Cristóvão, mais conhecido como IAPI (Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Industriários), passa por reformas estruturais. Desgastadas pelo tempo - a construção tem 58 anos - as tubulações em ferro de água e esgoto dos nove blocos de apartamentos estão sendo substituídas por material de PVC. O piso da área interna de cada um dos blocos também será trocado. As obras, em caráter de urgência em alguns prédios, ocorrem logo após a revitalização da área pública, promovida pela Prefeitura de Belo Horizonte (PBH). Animados com a valorização do conjunto arquitetônico, inserido na Área de Diretrizes Especiais (ADE) da Lagoinha, os moradores já se mobilizam para garantir a pintura das fachadas.

"É uma obra muito cara e não temos como bancar sozinhos. Depois que a PBH colocar os holofotes e postes de luz na praça, previstos no projeto de revitalização, a pintura vai realçar ainda mais a beleza da construção", defende o residente da Associação Comunitária do Conjunto IAPI, Otacílio Ferreira de Andrade. "Podemos tentar viabilizar essa proposta, desde que os moradores dêem a contrapartida e se articulem junto à Coordenação da Administração Regional Noroeste", acena a gerente do Departamento de Patrimônio Histórico, Michelle Arroyo. Ela lembra que há três anos foi realizado um concurso entre arquitetos e três projetos finalistas poderiam ser aproveitados para dar novas cores aos prédios.

Apesar de não ser tombado pelo Conselho Municipal do Patrimônio Histórico, o condomínio, que já abrigou pessoas ilustres, como Eduardo Gonçalves de Andrade, o Tostão, é monitorado porque está dentro da ADE Lagoinha. Tombada em 1990, quando foi promulgada a Lei Orgânica do Município, a construção foi destombada em 1996. Apesar de a ADE não ter sido regulamentada, mecanismos como a Lei de Incentivo Cultural podem beneficiar os proprietários interessados na preservação dos imóveis. Há também linhas de créditos especiais para esses casos.

"Vamos precisar de ajuda. Há anos juntamos dinheiro para a reforma na instalação hidráulica. Em muitos prédios, os canos estão carcomidos pela ferrugem e a troca é urgente", afirma o aposentado José Silveira, 60 anos, enquanto fiscaliza o trabalho dos operários no Bloco 4, onde mora. "Seria muito bom contar com a ajuda do poder público nessa empreitada, porque ela teria de ser feita em todos os prédios de uma só vez", concorda a aposentada Beatriz Cerasa, 61 anos, síndica do Bloco 4, que se destaca pela beleza do jardim.

Otacílio de Andrade estima que 70% dos 3.500 moradores do IAPI estejam no auge da terceira idade, e medidas de segurança como corrimão nas escadarias e colocação de rampas se fazem necessárias.

Tranqüilidade no caos urbano

Uma ilha de tranqüilidade em meio ao caos urbano. É essa a definição dos moradores, principalmente os mais velhos, sobre o Conjunto IAPI. A mendicância e a circulação de pivetes nas ruas e jardins incomoda, mas não chega a tirar o sono. A convivência com os moradores da Favela Pedreira Prado Lopes, plantada nos fundos do conjunto, às margens da Rua José Bonifácio, também é pacífica. "Violência, infelizmente, tem em todo o lugar. Tiroteio sempre tem, mas graças à Deus não estamos na linha de fogo e eles nos respeitam", garante o presidente da Associação Comunitária do Conjunto Residencial São Cristóvão, Otacílio Ferreira de Andrade, 61 anos, 32 deles vivendo na comunidade.

A movimentação das crianças na praça central e nas quadras de futebol durante todo o dia demonstra que o medo, apesar de dominar os grandes centros urbanos, pelo menos ali não predomina. A prosa animada, nas mesas e
bancos da praça central, de grupos formados em sua maioria por pessoas sexagenárias, aposentadas e com tempo para curtir a terceira idade, indica que a insegurança, incorporada ao dia-a-dia de quem vive nas grandes cidades, não intimida os moradores a praticar velhos hábitos interioranos que garantem a boa convivência.

"Não troco o IAPI por nada. Essa pracinha ficou uma delícia. É muito bom ver crianças, jovens e velhos passando", garante a aposentada Maria Camargos da Cruz, a dona Cruzinha. É claro que o "paraíso" poderia ser bem melhor, se a iluminação da passarela que dá acesso ao supermercado do outro lado da Avenida Antônio Carlos fosse reforçada, e o policiamento ostensivo mais constante, ressalva ela. A proximidade com o Abrigo Belo Horizonte, que funciona na Rua Araribá, favorece, no entanto, a entrada de pedintes. "Já foi bem pior. Quando não havia grades, assim que saíam do alojamento, às 8 horas da manhã, eles vinham para cá, acampavam nos jardins o dia inteiro bebendo e fazendo algazarra", lembra Otacílio Andrade. A transferência do serviço, segundo ele, prometida pelo então prefeito licenciado Célio de Castro durante visita realizada há dois anos, é aguardada com expectativa.

Obras já melhoram qualidade de vida

Desde que foi construído, em 1951, essa foi a primeira vez que o conjunto IAPI passou por reformas. Visíveis, os sinais de decadência há muito escondiam a beleza da construção. Inseguros, os moradores se queixavam do abandono e sentiam-se reféns em seus apartamentos. Iniciada em abril de 2000 e ainda sem prazo para ser concluída, a reforma melhorou a qualidade de vida dos moradores.

A construção do muro junto ao alambrado na Rua Araribá, o tratamento paisagístico dos passeios e jardins, e principalmente as novas instalações da praça central - que ocupa quase metade dos 10,5 mil metros quadrados do conjunto residencial - garante a maioria, contribuíram para resgatar o conforto de viver na região central da capital. A valorização do conjunto arquitetônico, cuja representatividade é comparada à Praça da Liberdade, cartão postal da cidade, tende a aumentar com a colocação de postes de iluminação e holofotes na área pública, previstos no projeto da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), e a pintura externa da fachada dos prédios.

A construção dos nove blocos do IAPI começou em 1944, no terreno cedido por aforamento pela Prefeitura de Belo Horizonte. As passarelas, ligando os edifícios de cinco, seis, sete, oito e nove pavimentos, adotadas para evitar custos com elevadores, são os traços mais marcantes. Apesar da diferença de altura, o recurso, que levou em conta a topografia do terreno, permitiu o nivelamento e a interligação de todos os blocos pelo último andar, com acesso pelas ruas Araribá e José Bonifácio, e Avenida Antônio Carlos.

Até 1963, o conjunto foi mantido pelo Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Industriários (IAPI), e os imóveis, alugados. Em 1963, com extinção feita por decreto dos institutos de previdência (Iapetec, IAPB, IAC e o IAPB) pelo então presidente Jânio Quadros, os inquilinos acabaram arrematando os apartamentos. Atualmente, o estado de conservação das unidades, de um, dois e três quartos, é que determina a cotação no mercado imobiliário. O preço, segundo corretores, varia de R$ 16 mil a R$ 35 mil.



foto Hugo Segawa