Francisco Bolonha


foto: Marcia Poppe

Francisco Bolonha | 1923 - 2006

Francisco de Paula Lemos Bolonha nasceu a 3 de junho de 1923 em Belém do Pará, de onde saiu rumo ao Rio de Janeiro ainda criança, já com a intenção de se tornar arquiteto. Em 1945, formou-se pela primeira turma da Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade do Brasil. Homem de personalidade contida e discreta, distanciou-se da pessoa extrovertida e falante que cursou a Escola Nacional de Belas Artes. Apesar de nunca ter feito publicidade do que construiu, Bolonha teve durante as décadas de 40, 50 e 60 sua obra publicada em diversas revistas nacionais e estrangeiras (Habitat, PDF, Arquitetura Revista e AU/ L'Architecture d'Aujourd'hui, Architectural Forum, Architectural Journal, Brasilianische Architectur, The Architectural Review, Bauen + Wohnen Internationale Zeitschrift, Abitare e Architektur und Kultiviertes Wohnen). Por ter se acostumado ao silêncio da crítica depois desta época e ao longo dos anos, surpreendeu-se recentemente com o crescente interesse das gerações mais novas pelo estudo de sua obra.

No início da carreira, Bolonha aproximou-se da vertente arquitetônica recomendada por Lucio Costa. Os projetos construídos entre 1946 e 1959 caracterizam a primeira fase de sua obra e possuem a expressão formal e o vocabulário da Escola Carioca. A partir da adição de volumes distintos e altos pés-direitos, Bolonha alcançou espaços de grande fluidez e interpenetração visual. A segunda fase da carreira iniciou-se com os projetos da década de 1960, que demonstram linguagem mais sóbria, de caráter construtivo bastante acentuado e de formas puras. O arquiteto passou a resolver os programas em volumes únicos, mais fechados e com menos transparência. Foi justamente nesta ocasião que Bolonha começou a afirmar ter passado a entender a arquitetura como ciência. Em um sentido amplo e clássico, referia-se a um saber metódico e rigoroso, que definia a arquitetura como conjunto de conhecimentos sistematicamente organizados.

Mas se o arquiteto se afastou da Escola Carioca, é preciso dizer também que ele não acompanhou, por exemplo, as experimentações associadas à exploração plástica do concreto armado, ou os grandes vãos e balanços que o material possibilitava, tendências que puderam ser observadas de um lado em Niemeyer no período pós-Brasília, e de outro, na arquitetura característica da Escola Paulista. Mesmo que seja possível apontar duas fases em sua obra, sendo a primeira mais nativista e a segunda, mais concretista, o arquiteto não abandonou por completo alguns dos procedimentos iniciais que contribuíram para caracterizar mais fortemente os primeiros projetos como possuidores de vínculo com o passado de nossa arquitetura. Não por acaso, Bolonha utilizou o telhado cerâmico no mosteiro de Belo Horizonte (1949-1999), nas escolas do Governo Lacerda (1960 a 1964) e mais tarde, no projeto não construído para uma residência em Brasília (1979). A idéia da integração das artes também permaneceu no arquiteto e os painéis artísticos utilizados nos passeios públicos e nas escolas, nunca esconderam a crença no papel social e educativo da arquitetura.

Com o passar do tempo, Bolonha encaminhou-se para uma extrema racionalização do fazer arquitetônico, traduzido pela acentuação de sua preocupação com a verdade construtiva e pelo respeito às questões econômicas, funcionais e programáticas. Se não alcançou a perfeição, deixou claro que esta busca deu à sua obra caráter singular de atividade diária e muita dedicação:

"Se nada funciona, não se pode dizer que é boa arquitetura... (...) O arquiteto tem que trabalhar todo dia, como o pintor pinta todo dia, como o escritor escreve todo dia, ou como o médico pratica todo dia..."

Ao afirmar que as soluções corretas deveriam ser utilizadas por todos, assumiu o lado humano da profissão. Tornou-se um homem cada vez mais introspectivo, influenciado talvez pelo intenso contato que travou com um modo de vida muito especial, diverso do seu, e bastante diferente daquele do menino paraense, habituado às regalias de uma família abastada que nunca lhe negou auxílio ou proteção. A recusa aos privilégios e a tomada de consciência das diferenças de classes, já indicavam na infância, traços de uma individualidade que se acentuariam ao longo do tempo. A amizade com o monge Dom Inácio lhe rendeu muito mais do que inúmeros trabalhos para a Ordem Beneditina. Dedicou sua vida à construção do Mosteiro de Nossa Senhora das Graças, obra pela qual o arquiteto sempre afirmou ter muito carinho. Por ter durado 50 anos, é aquela que permite refletir criticamente sobre suas escolhas e posicionamento frente às teorias que lhe serviram de referência. Além disto, também constitui-se em sofisticada arquitetura pelo cruzamento de citações que explicita em relação a seus demais projetos.

"Sabe o que é, tem uma dignidade o mosteiro... Não é “arquitetura moderna”, é uma arquitetura... Eu pensei em fazer arquitetura, só."

O arquiteto faleceu no Rio de Janeiro na manhã do dia 30 de dezembro de 2006. Seu corpo foi cremado, conforme sua vontade. O desejo do arquiteto de ter um sepultamento simples, mais do que discreto, também foi acatado pela família. Estreitos foram seus laços com o Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro. A Missa de Sétimo Dia de sua morte não poderia ter sido marcada em lugar mais significativo.

Marcia Poppe


Francisco Bolonha | 1923-2006

Em 83 anos de vida Francisco de Paula Lemos Bolonha percorreu uma das trajetórias mais singulares da arquitetura moderna brasileira. Rememorar sua carreira tem o gosto das madalenas no chá, do romance de Marcel Proust - Em Busca do Tempo Perdido de que Bolonha tanto gostava. Indagado sobre sua arquitetura respondia com provocatória modéstia: – “nem sei se fiz arquitetura”, convidando o interlocutor a refazer seu caminho e só mais tarde emitir algum juízo.

A marca fundamental de sua trajetória talvez tenha sido a sua formação. Logo garoto acompanhou a arquitetura art nouveau de seu tio, o engenheiro homônimo Francisco Bolonha que encantava Belém no rico ciclo da borracha. Diante de edifícios como o Palacete Bolonha e do Mercado de Carne não é de se estranhar que despertasse no menino Bolonha o desejo de “desenhar casas”.

Ingressa muito jovem em 1940 na Escola Nacional de Belas Artes para cursar arquitetura, quando seguia o currículo acadêmico durante o dia e estagiava à noite com os modernos: Aldary Toledo, Burle Marx, Affonso Eduardo Reidy e Jorge Machado Moreira. Percorreu assim com um pé de cada lado dois caminhos distintos. Esta marca guiou sua produção e o ajuizamento do que entendia por arquitetura. Aos 25 anos seu desenho para o concurso do Jóquei Clube do Rio de Janeiro já ilustrava em 1948 a capa da L´Architecture D´Aujourd´Hui.

Formado, trabalhou com Burle Marx no projeto para o Parque do Barreiro em Araxá (1944). O projeto de sua fonte de águas sulforosas ilustra a Architectural Fórum de 1947. Trabalha em seguida com Affonso Eduardo Reidy e Carmem Portinho no conjunto de Pedregulho e realiza, além do projeto do conjunto de Vila Isabel em 1955 (atualmente cercado por ocupações irregulares), aquela que talvez tenha sido uma das mais felizes experiências de projeto de habitação social no Brasil – o conjunto de Paquetá (1952) que figurou na revista Bauen+Wohnen de 1962 e na Architektur und KultiviertesWohmen de 1964.

“Desenhando Casas” realizou experiências paradigmáticas como a Residência Hildebrando Accioly (1949-50), um exemplo de suas pesquisas entre duas vertentes: a clássica-tradicional e a outra plástica-formal, características identificadas respectivamente nas obras de Lucio Costa e Oscar Niemeyer. Mais que balizar seus pares, Bolonha mostrou com seus projetos residenciais uma nova possibilidade para o desenvolvimento da arquitetura moderna brasileira, alheio às dicotomias de análise produziu projetos como a Residência Adolpho Bloch, novamente capa da L´Architecture D´Aujourd´Hui de 1962.

Quando era chegada a hora de colher os frutos de um caminho doce e suave, Bolonha segue obstinado em uma pesquisa arquitetônica de experimentação e evolução. Nesse período a crítica permaneceu silenciosa. Se nos últimos anos sua arquitetura voltou a chamar a atenção da mídia especializada, dos críticos e da academia, com diversos artigos e dissertações, em parte isso aconteceu porque a crítica também amadureceu. Com o paladar mais apurado pudemos apreciar garrafa escondidas: a obra para o Mosteiro das Beneditinas (1947-91) em Belo Horizonte, consumiu 40 anos de maturação entre o projeto e a inauguração. O posto Telefônico da Cetel (1964), é um verdadeiro tesouro na ilha de Paquetá. As escolas Cícero Pena e a Roma (1960-4) em Copacabana por sua simplicidade se diluem em nossas retinas junto à paisagem. Em Campinas a série de edifícios da antiga Telebrás (CpqD) com pequenas variações virtuosas exemplificam esse processo experimental. Bolonha fugiu das análises simplificadoras acadêmico-moderno e arte-ciência, percebeu a arquitetura como saber fazer, como tectônica.

Refazer o caminho de sua arquitetura faz lembrar o comentário de Lucio Costa sobre as cidades históricas mineiras: “A gente como que se encontra... e lembra de coisas que a gente nunca soube, mas que estavam lá dentro de nós; não sei – Proust devia explicar isso direito”. Estavam lá e Francisco Bolonha modestamente sabia.

Oigres Leici Cordeiro de Macedo